Líderes de quatro instituições ambientais, elas se uniram para implementar um plano de mitigação do atropelamento de fauna em Bonito, no Mato Grosso do Sul, onde animais como antas, veados e tamanduás são vítimas comuns

O município de Bonito, no Mato Grosso do Sul, é uma referência em ecoturismo e recebe milhares de visitantes todo ano. Entretanto, por detrás da exuberância da vida selvagem, o destino sofre com um problema comum de áreas naturais sufocadas pela malha viária: o atropelamento de animais silvestres. A conselheira da Fundação Neotrópica do Brasil, Raquel Machado, dona de três Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) na região, indignava-se sempre com a quantidade de bichos mortos que via enquanto cruzava as estradas. Resolveu agir e juntou-se a outras quatro mulheres que lideram instituições ambientais: Juliana Camargo e Raquel Facuri, ambas da Ampara Silvestre, Angela Kuczach, da Rede Pró-UC, e Fernanda Abra, da ViaFAUNA.

A força-tarefa feminina, que começou a se articular em junho de 2020, foi ao município no final de agosto último para fazer um levantamento das estradas e mapeou os 11 pontos prioritários para instalação de estruturas de mitigação como passagens aéreas – estratégicas onde a estrada é margeada de ambos os lados por árvores altas, para dar uma alternativa segura aos animais arborícolas – e cercamentos, que evitem que o animal cruze a rodovia.

“A ideia inicial era fazer uma clínica para tratar os animais vítimas de atropelamento que sobrevivessem”, conta Raquel, fundadora do Instituto Raquel Machado que atua na reabilitação e reintrodução de animais. “Só que isso é enxugar gelo, porque no atropelamento o mais importante é fazer o trabalho preventivo. Se não prevenirmos, não vai ter fim o problema”, completa.

De acordo com ela, a estimativa é de que as medidas de mitigação são capazes de reduzir em mais de 90% o atropelamento da fauna. “Essas medidas de mitigação deveriam estar previstas dentro dos processos de licitação das rodovias – e geralmente estão –, mas muitas vezes são ignoradas e isso não pode acontecer”, ressalta.

Atualmente, não existe nenhuma medida mitigadora nas rodovias do município, nem mesmo placas, tampouco radares de velocidade.

A primeira fase do projeto foi o diagnóstico de campo, o mapeamento dos 11 pontos prioritários para passagens de fauna e o plano de mitigação, realizado por Fernanda Abra, especialista em ações mitigatórias para o atropelamento de animais e co-fundadora da ViaFAUNA. A bióloga percorreu as estradas de Bonito e identificou os locais onde os animais atravessam mais e o que seria possível de fazer com as estruturas já disponíveis para implementar as passagens.

A próxima fase será a implementação de passagens aéreas, que são mais baratas, e em seguida, o objetivo são os cercamentos e passagens subterrâneas, que são estruturas mais complexas e onerosas.

A diretora da Rede Pró-UC, Angela Kuczach, explica que o projeto está sustentado por um tripé: o plano de mitigação, advocacy e comunicação. “O plano de mitigação nós vamos entregar para o município de Bonito e região, mas nós queremos fazer esse plano acontecer. A linha do advocacy é exatamente isso, fazer o plano ser implementado. Conversar com os órgãos estaduais para defender a implementação do plano, mas também captar recursos com parceiros, organizações locais, setor privado, para fazer acontecer. E temos a parte de comunicação. Nessa frente estamos criando uma campanha de comunicação e conversando com atores locais, para todos aderirem à campanha”, conta Angela. A expectativa é de que a campanha seja oficialmente lançada em maio deste ano.

Segundo Raquel, a iniciativa vem sendo bem recebida no município. “As pessoas da cidade já vinham se indignando com esse tema há muito tempo, já foi feito até abaixo-assinado para chamar atenção à questão do atropelamento, então a cidade está acolhendo essa iniciativa. Desde hotéis e restaurantes, até escolas e escoteiros”, afirma.

No dia 22 de fevereiro, a equipe do projeto se reuniu com o prefeito de Bonito, Josmail Rodrigues (PSB-MS) e com a Secretária de Meio Ambiente, Ana Trevelin, para discutir o plano de mitigação. No encontro, o prefeito autorizou a construção de passagens de faunas, em dois dos pontos mapeados pelo projeto. Além disso, discutiu-se a articulação de uma campanha de educação e prevenção que envolva moradores, empresários e turistas.

“É fantástico a gente pensar que Bonito, pela primeira vez, começa a discutir possibilidades de combater o atropelamento de fauna de forma efetiva. Além de trabalhar com placas, implantar passagens aéreas, subterrâneas e cercamento de rodovias, para proteger tanto a fauna, quanto os motoristas que trafegam em nossas rodovias. Essa é uma preocupação da Prefeitura para que consiga de fato ter ações de proteção e conservação da natureza, não só apenas no discurso, mas na prática”, comentou a secretária de Meio Ambiente, Ana Cristina Trevelin, na reunião.

Na última semana, uma moto colidiu com um veado na estrada estadual MS-382, em trecho recém-asfaltado pelo governo estadual. Tanto o motorista quanto o animal não sobreviveram.

De acordo com Angela, os animais de médio e grande porte, como antas, tamanduás e veados, são os que mais sofrem com o atropelamento na região de Bonito.

Um projeto de monitoramento feito pelas organizações Bandeiras Rodovias e Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS) registrou 12.400 carcaças de animais em estradas no estado de Mato Grosso do Sul, entre os meses de fevereiro de 2017 e 2020, sendo 761 tamanduás-bandeiras (Myrmecophaga tridactyla), considerada vulnerável à extinção pela lista brasileira de Fauna Ameaçada.

Um levantamento similar e específico para o município de Bonito foi encomendado pela Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos (Agesul), que administra a malha viária estadual, mas o resultado do estudo não foi divulgado publicamente. Desde outubro do ano passado, a equipe do projeto solicita à agência o acesso aos dados levantados, mas ainda não houve retorno.

A comunicação com a Agesul tem sido um dos maiores desafios do projeto, pois qualquer intervenção nas estradas, ainda que feita sem custo aos cofres públicos, precisa de autorização da autarquia. “Eles precisam dar anuência. Nós já temos a sinalização de financiamento de cinco estruturas de passagens aéreas, duas pela prefeitura de Bonito, duas pela ONG SOS Pantanal e uma através de uma empresa, mas a Agesul precisa autorizar. Estamos tentando contato para marcar uma reunião. Já mandamos vários ofícios, tanto diretamente quanto através do Ministério Público e da prefeitura de Bonito, mas ainda não tivemos nenhuma resposta”, lamenta Raquel.

“Nós queremos colocar Bonito como vitrine e exemplo para implementar essas ações em outras rodovias do Brasil. Nós temos a maior biodiversidade do mundo, nós precisamos proteger a nossa fauna. A ideia é começar por ali e ao mesmo tempo colocar de exemplo para outros municípios, para que a gente comece junto. Começar em Bonito, mas passar pro estado e pro Brasil”, reforça a idealizadora da iniciativa, Raquel Machado.

Para isso, o projeto já desenha uma coordenação mais ampla e pioneira com outras organizações no estado, como o Instituto Homem Pantaneiro e o Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (Incab), além da parceria já consolidada com a ONG SOS Pantanal e o ICAS.

Vizinho do Parque Nacional da Serra da Bodoquena e do Pantanal, o município de Bonito coexiste lado a lado com uma fauna ainda abundante. As unidades de conservação, entretanto, não são suficientes para garantir a proteção da rica biodiversidade pantaneira. “A gente cria unidades de conservação para proteger a fauna, mas os bichos não veem essa fronteira, então também é nosso dever fazer com que eles sejam protegidos nas fronteiras também. Você cria um parque nacional, RPPNs, outras unidades de conservação, tem toda a preocupação em proteger o que resta daquele ambiente, mas as estradas viram sumidouros dos bichos que estão protegidos dentro do parque nacional. Não dá. Não é possível que Bonito, que é um dos principais destinos de ecoturismo do Brasil, não faça algo para mudar isso”, aponta Angela.

FONTE: OECO

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