Desde os primeiros códigos legais até as legislações mais recentes, houve um movimento progressivo em direção à proteção dos direitos dos animais e à punição daqueles que os maltratam. A evolução das leis sobre crueldade animal ao longo do tempo reflete uma crescente conscientização com o bem-estar dos animais em geral, seja para os domésticos, silvestres e outros fins. Porém, em todos os países, ainda há muito o que evoluir nessa questão.

Nos primórdios da civilização, as leis sobre crueldade animal eram escassas e muitas vezes limitadas a casos específicos, como o abuso de animais utilizados para o trabalho. No entanto, à medida que a sociedade evoluiu e a compreensão sobre a sensibilidade e a capacidade de sofrimento dos animais aumentou, as legislações começaram a se expandir.

Pioneirismo indiano na defesa dos animais

O registro mais antigo de uma normativa em prol do bem-estar animal aconteceu há 2.300 anos, na Índia. O imperador indiano Ashoka, o Grande, que viveu de 304 a.C – 232 a.C., após ter contato e se converter ao budismo, começou a introduzir, de forma pioneira, políticas de bem-estar social e de valorização da vida humana e animal.

Os Éditos (um tipo de decreto), de Ashoka relacionados com os direitos dos animais combatiam:

  • A caça de animais; 
  • O abate dos animais para servirem de alimento;
  • Atos violentos com os animais; 
  • O sacrifício de animais, de qualquer espécie.

No governo de Ashoka, todos os grupos de animais, como insetos, peixes, aves e mamíferos eram sujeitos de direitos, protegidos em seus Éditos.

O contexto europeu

No século XIX, surgiram algumas das primeiras leis modernas de proteção animal, na Europa. A primeira fundação dedicada à proteção dos animais na história do mundo foi criada em 1824, na Inglaterra, chamada “Society for the Prevention of Cruelty to Animals” (Sociedade para a Prevenção da Crueldade aos Animais).

O Reino Unido foi pioneiro nesse campo com a aprovação da lei Cruelty to Animals Act (lei da crueldade animal), em 1876, que visava coibir práticas cruéis em experimentos científicos e em outras atividades.

No século XX, o movimento pelos direitos dos animais ganhou mais força, impulsionando a criação de leis mais abrangentes e rigorosas. Muitos países passaram a adotar legislações específicas para proteger animais de estimação, animais de fazenda, animais selvagens e animais utilizados em pesquisas.

A partir de 1970, surgiram diversas manifestações em defesa dos animais, marcando uma divisão na proteção animal em duas correntes distintas. Uma delas era a corrente de bem-estar animal, que permitia o uso dos animais para benefício humano, desde que de maneira humanitária. A outra corrente era a dos direitos dos animais, que buscava o fim da exploração animal pelos humanos.

Em 15 de outubro de 1978, foi proclamada na UNESCO a “Declaração Universal dos Direitos dos Animais”. O documento é importante por reconhecer o direito à vida e liberdade dos animais, condenando aprisionamento injustificado ou qualquer forma de abuso. 

Além disso, a Declaração defende a preservação das espécies animais em perigo de extinção, reconhecendo a importância da biodiversidade e do equilíbrio ecológico. E ainda, enfatiza a responsabilidade dos seres humanos em proteger e cuidar dos animais, promovendo a educação e a conscientização sobre os direitos dos animais.

Atualmente, a maioria dos países possui leis que proíbem o abuso e a crueldade contra animais, estabelecendo padrões mínimos de cuidado, condições de criação e métodos de abate. Existem algumas organizações internacionais, como a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens (CITES), trabalhando para promover diretrizes e regulamentações globais sobre o tratamento ético dos animais.

Como é no Brasil?

No Brasil, a crueldade contra animais passou a ser condenada no artigo 225 da Constituição de 1988. Dez anos depois, A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) também foi um avanço ao criminalizar o ato de abusar, maltratar, ferir ou mutilar bichos.

A pena por esse tipo de crime vai desde multa de um a 40 salários mínimos por animal, até a prisão em casos extremos. Na esfera penal, o crime é previsto pelo artigo 32 da lei nº 9.605, com alteração da lei nº 14.064/2020, prevendo pena de reclusão de 2 a 5 anos, multa e proibição da guarda. Em caso de morte do animal, a pena pode ser aumentada.

Qual o país que menos maltrata os animais?

A World Animal Protection, organização voltada à proteção dos animais, e consultora do assunto na ONU, estabeleceu um ranking – o Animal Protection Index, (Índice de Proteção Animal) dos países que melhor cuidam dos animais.

A pontuação do Índice leva em consideração os seguintes indicadores:

  • Reconhecimento da senciência animal e proibição do sofrimento animal;
  • Presença de legislação de bem-estar animal;
  • Estabelecimento de órgãos governamentais de apoio à proteção animal;
  • Suporte para padrões internacionais de bem-estar animal, seguindo os padrões da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e as indicações da Declaração Universal de Bem-Estar Animal.

A maior pontuação de classificação do Índice é representada pela letra A e a mais baixa pela letra G.

Curiosamente, nenhum país está classificado na categoria A, indicando que o mundo ainda precisa melhorar no reconhecimento dos direitos animais. O Reino Unido, Suíça, Dinamarca, Holanda, Suécia e Áustria estão no topo do ranking, na categoria B.

O Brasil encontra-se atualmente na categoria D. Fatores que influenciam esta posição ruim no ranking são: a permissão do comércio de animais silvestres e a deficiência de ações concretas, por parte do governo, na proteção dos animais.

A permissão de comércio de animais silvestres é um fator que influencia negativamente no Índice de Proteção Animal – foto: Monique Rached

Em 2014, já estivemos na categoria C, mas alguns retrocessos rebaixaram o Brasil no ranking. A aprovação de vaquejada, rodeios e caça de javalis foram fatores que pesaram nesse balanço.

Reconhecimento da senciência animal – um passo importante

Foto – Lavínia Gavazzi

Um item crucial do Índice de Proteção Animal é o reconhecimento da senciência animal. Mas afinal, o que significa isso? E quais as suas implicações?

Não há uma definição padrão para a senciência animal, mas, em geral, o termo denota uma capacidade de ter experiências subjetivas: sentir e mapear o mundo exterior, experimentar sentimentos como alegria ou angústia. Em alguns casos, pode significar que os animais possuem um certo nível de autoconsciência.

O reconhecimento legal da senciência animal nos leva à responsabilidade de minimizar seu sofrimento em práticas como a pecuária industrial, comércio de vida selvagem, uso de cobaias de laboratório, entre outros.

Aprovar legislações que considerem a senciência animal exigirá mudanças profundas na sociedade, pois inclui não só uma proteção contra dores físicas, mas também a consideração do bem-estar mental e emocional dos animais.

Nesse mês de abril, saiu a declaração The New York Declaration on Animal – Declaração sobre Consciência Animal de Nova Iorque, reunindo a assinatura de 40 pesquisadores. 

A declaração reúne evidências de vários artigos científicos afirmando que há “forte apoio científico de que aves e mamíferos têm consciência”, e uma “possibilidade realista” de consciência para todos os vertebrados – incluindo répteis, anfíbios e peixes. Essa possibilidade estende-se a muitos animais invertebrados, como insetos, crustáceos decápodes (incluindo caranguejos e lagostas), e moluscos cefalópodes, como lulas e polvos.

Uma onda de estudos recentes sustentam a nova declaração. Nessa lista incluem-se testes de auto percepção de peixes com espelhos. Um estudo que observou o comportamento de brincar em abelhas, e ainda, o estudo da percepção de dor em polvos.

O caminho para aprovação e fiscalização de leis específicas sobre o bem-estar animal ainda é longo, para quase todos os países do mundo. No entanto, podemos reconhecer que houve um avanço na questão, considerando que no século 17, o filósofo, referência no ocidente, René Descartes argumentava que os animais eram apenas “autômatos materiais” – sem alma ou consciência.

O debate sobre os direitos dos animais continua em curso, refletindo a complexidade e a importância dessa questão na sociedade contemporânea. A ciência, nossa maior aliada, explora cada vez mais esta área, desenvolvendo estudos cognitivos com uma gama cada vez maior de espécies animais.

Aguardemos cenas dos próximos capítulos.

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